Terminava o ano de 1936. E com ele, a vida tranquila de uma família burguesa de um dos maiores centros culturais da Alemanha: Dusseldorf. A guerra trouxe-a para o Brasil, mais exatamente para uma fazenda de café e algodão próxima a Marília, no interior de São Paulo.
Dona Leonie, contadora formada, assumiu funções compatíveis no escritório da fazenda, e o senhor Erich recebeu o cargo de almoxarife. Os filhos do casal, Gert, de 9 anos e Hans, de 7, frequentavam a escola da fazenda, que se resumia a uma classe para todas as idades. E cuidavam da limpeza e arrumação da casa.
Em princípios de 1938, a família Rosenthal parte novamente. Desta vez para São Paulo, Capital.
Dona Leonie logo começou a trabalhar em um banco, enquanto o senhor Erich procurava um local para montar seu próprio negócio.
Um dia tomou um bonde na Praça da Sé. O bonde ia até Santo Amaro, mas o senhor Erich resolveu descer em Indianópolis.
Eram meados de 1938. Herr Erich Rosenthal, que nesta época já era chamado de Senhor Eurico, tinha encontrado o lugar ideal para desenvolver seu negócio. Um bairro misto, afastado do centro, tal e qual era sua loja na Alemanha. Só que na verdade, a Avenida Jandira pouco ou nada tinha a ver com a Dusseldorfer Strasse.
Era uma rua de terra, que virava rio em dia de chuva, para alegria da meninada com seus barquinhos de papel. O comércio era mínimo: uma padaria na esquina, um barbeiro, um relojoeiro, uma loja de móveis, uma de uniformes escolares e alguns bazares.
Como disse um pedestre bem-humorado, era preciso ter coragem para abrir uma loja naquele fim de mundo. Mas o senhor Eurico acreditou
O bairro era bom. Os funcionários das fábricas e indústrias da redondeza eram uma clientela em potencial. Na época, tinha a Metalúrgica Barbará, a Reiche, fabricante de parafusos, a Junker, de fogões, a Sherwin Williams, de tintas, e poucas outras.
A colônia alemã, atraída pela indústria em crescimento, era bastante expressiva.
A linha de bonde Centro-Indianópolis fazia seu balão de retorno praticamente na porta, o que era garantia de movimento. E o que era mais importante: não havia na região nenhuma loja de calçados. Mas tudo isto não significava, de modo algum, que os negócios seriam fáceis.
No Brasil, as coisas funcionavam de forma um pouco estranha aos modos germânicos do senhor Eurico. A pontualidade não era prática muito difundida no país, qualidade não era a principal preocupação dos fabricantes de calçados, e a pechincha era uma mania nacional.
Aos poucos, com o apoio da família, e a vivência do amigo e funcionário Jacob no ramo de calçados, o senhor Eurico foi descobrindo as manhas do negócio made in Brasil.
Seguindo os palpites de Jacob, o senhor Eurico aprendia a comprar a crédito de bons fornecedores, dona Leonie fazia clientes respondendo à pechincha com pequenos descontos, e os filhos divulgavam a imagem da loja distribuindo folhetos de propaganda.
No dia 24 de dezembro de 1938, absolutamente contagiado pelo jeitinho brasileiro, o casal esticou o expediente das seis e meia da tarde até altas horas da noite, para atender os retardatários do Natal.
Resultado: antes da Missa do Galo, a Casa Eurico cantava seu primeiro recorde de vendas: um conto de réis num único dia. A façanha se repetiu no carnaval, registrando a maior venda de tênis do ano.
E assim, sempre atento às oportunidades, o senhor Eurico começou a praticar o marketing numa época em que a palavra não existia, nem mesmo no dicionário.
Arrematou um lote de calçados masculinos número nos tamanhos 43 e 44, anunciou no jornal alemão e vendeu tudo em poucos dias.
Ele tinha acabado de descobrir um segmento novo e inexplorado no ramo de calçados: o dos sapatos de números grandes, que o grupo Eurico lidera até hoje
No fim dos anos 40, São Paulo já era o maior centro industrial da América Latina. Para ter sucesso no comércio era preciso oferecer produtos diferenciados, vender status e fazer propaganda.
A Casa Eurico aumentou suas vitrines e ganhou uma bela marquise na entrada, sinal da arquitetura dos novos tempos.
Os anúncios veiculados no jornal alemão e no rádio se incumbiam de trazer a clientela selecionada.
O carrossel infantil instalado bem no meio da loja trazia crianças com suas mamães a tiracolo.
Mas, segundo o senhor Eurico, a alma do negócio continuava sendo dona Leonie.
Gert e Hans, os filhos do casal, já não trabalhavam na loja: Gert emigrou para os Estados Unidos, e Hans se formou Engenheiro Civil e seguiu sua carreira em São Paulo.
Nesta época, o casal Eurico e Leonie dividiam a responsabilidade e o trabalho com alguns funcionários competentes e dedicados.
Com a construção do Shopping Center Ibirapuera, Moema perdeu sua dimensão regional para se tornar um bairro metropolitano. As casas foram cedendo seu lugar a lojas e edifícios. Aumentou a população local, e gente de toda a cidade passou a frequentar e comprar no bairro. Uma oportunidade de crescimento que infelizmente o senhor Eurico teve pouco tempo para saborear.
Com sua morte em 1976, o senhor Guimarães, gerente da loja desde 1964, passou a ser o braço direito de dona Leonie, ajudando-a em todas as transações com fornecedores. Numa ousada jogada comercial, tratou de convencê-la a abrir mão dos calçados de tamanhos ditos “normais” para fazer da Casa Eurico a loja dos Pés Grandes.
A aposta deu certo: aos sábados, a loja ficava tão cheia que as pessoas se aglomeravam à porta. O próximo passo foi modernizar a imagem da Casa Eurico. Com um belo banho de boutique, a loja abriu suas portas para uma nova clientela, ávida por ter finalmente o privilégio de poder escolher um calçado que servisse nos seus pés.
Entre 1980 e os primeiros anos da década de 1990, a terceira geração passou a figurar nos negócios – Nidia, formada em administração, Vera em arquitetura e Claudia em publicidade – época na qual a Casa Eurico ganhou maior área de vitrine e estocagem para dar conta da crescente diversidade de produtos à venda, até então espalhados por várias sobrelojas da redondeza. Gente de toda a cidade e até do país passou a frequentar a loja, principalmente os representantes da nova geração de esportistas brasileiros, com seus metro e noventa ou mais de altura.
Em 1990, ainda muito lúcida mas já com 90 anos, Dona Leonie resolveu passar o bastão da direção a seu filho Hans, assessorado pelas filhas e o Sr. Guimarães. Na virada para os anos 2000, mais uma reforma fez com que a Casa Eurico se tornasse muito mais ampla, bonita e moderna.
E após comemorar os 65 anos de existência da empresa, a diretoria, já com a participação dos bisnetos do casal fundados, decidiu efetivar a ampliação do negócio, com a criação da Eurico Max e a inauguração, em dezembro de 2003 sua loja, na charmosa Rua Oscar Freire, em São Paulo. Espaço que após sete anos de funcionamento ganhou uma ambientação exclusiva e um novo mix de produtos para abrigar a nova marca do grupo. Com a proposta de atender um público mais jovem e ligado a tendências de moda, a Eurico Max foi criada para dar ao cliente Eurico uma nova opção de compra.
Ainda, a Eurico Web consolidou-se como plataforma eletrônica de vendas dos produtos da Eurico e da Eurico Max, levando para a internet a mesma experiência acolhedora da compra de produtos nas lojas físicas.
Mas nada temam os antigos clientes da Casa Eurico acostumados aos mimos e paparicos dos donos e vendedores. Pois apesar de tantas mudanças, nosso DNA continua o mesmo, assim como aquela mania tão fora de moda de agradar os clientes, ajudando-os a calçar os sapatos, e se for preciso, pondo a loja abaixo até encontrar o par desejado.